Poetiza-me
“Chamam-me poeta nas ruas. E eu
nem rimar sei. Nem sei se sei rimar bem. Eu apenas sei que as minhas rimas
vêm do além.
Chamam-me traficante. E eu nem
sei se vendo o mal ou o bem. Não sei se o que vendo faz mal, mas sei que não
faz bem.”
E aqui estou eu. A tua musa, tua inspiração. A responsável da tua admiração. A culpada desses sentimentos que as ruas consomem. A mulher que inspirou essa sedução. E eu sei que vais negar, mas ambos sabemos que não seguiste em frente. Pensaste que nunca encontrarias ninguém tão viciante como eu. Então ficaste, e eu fui. Dás voltas e voltas, e voltas sempre aqui. E aqui estás tu, novamente. Com uma ideia nova em mente, obviamente. Procuras em mim aquilo que não encontras em mais ninguém. Procuras em mim aquilo que não encontras em ti. Consomes o meu corpo e roubas-me um pouco da minha alma. Levas muito de mim, mas não me levas a mim. E lá vais tu para casa satisfeito, nem que seja por momentos. Esqueces que os teus demónios dormem, mas não morrem. E lá vão eles consumir-te outra vez. E quando não estiveres a aguentar, sabes onde me encontrar. Porque eu sei, e tu sabes, que eu sou a única que os consegue acalmar.
“Chamam-me poeta. E eu nem sei se
o sou. Sou apenas um rapaz que brinca com palavras. E fiz a rima mais bela, em
ti inspirada.
Chamam-me traficante. E eu nem
sei se sou. Sou apenas um rapaz que vende sonhos escritos em papel. E vendeu um a uma mulher, que acabou viciada.”
E lá vens tu outra vez. Eu sempre estive aqui para ti só que tu não vês. Ignoraste os meus sentimentos. Desapareceste. Foste embora. Fugiste. Sei que não sentes, mas mentes, quando dizes que voltas de vez. Mas já te vais embora, e eu fui usada mais uma vez. E por aqui vou ficando, nua. Despida de toda a vergonha que um dia vesti. Deixo-te ir em paz. Uma paz momentânea alimentada pelos demónios que agora dormem. Uma paz alimentada pelos sentimentos que eu inspirei. Eu sei que tudo o que tu escreves é sobre mim. E tu também o sabes. No fundo somos dois amantes que um dia se amaram, mas que não se amam mais. E hoje só partilhamos prazeres carnais. Tu vens buscar a inspiração que precisas. E eu aproveito para satisfazer os meus desejos, antes que tu vás.
“Chamas-me poeta. E eu nem sei se
o sou. Mas sei que tu foste a rima mais bela que esculpi, a rima mais
perfeita que eu já escrevi.
Chamas-me traficante. E eu nem
sei se sou. Mas sei que foste a droga mais viciante que um dia consumi, e mais
tarde vendi.”
Lá no fundo
ambos sabemos que falhámos. Errámos. Prometi uma eternidade que um dia terminou. Amei-te e tu nunca sentiste. Prometi que te ensinava a amar. Mas tu
prometeste ficar, e partiste. A vida dá voltas. E estas são as voltas que a
vida deu. Ainda achas que a culpada fui eu? Tu, sozinho. Atormentado pelos
demónios que te invadem. Com medo de seguir em frente por não saberes se
encontrarás alguém que te vicie como eu. Eu, mal acompanhada. Angustiada por
saber que nunca vou encontrar ninguém como tu, mas com medo de acabar sozinha. Duas
almas que se amam, mas que não se podem ter. A primeira vez que cá vieste,
escreveste sobre saudade. E hoje eu sinto saudade. Há uns tempos que não te
vejo. Talvez tenhas encontrado outra musa. Outra inspiração. Mas nenhuma outra
te pode dar a droga que eu te dou. Nenhuma te pode viciar, como eu viciei.
Nenhuma te pode seduzir, como eu seduzo. Inspirar como eu inspiro. Por isso eu
sei que mais tarde ou mais cedo, tu voltas. Eu acalmo os teus demónios, tu
acalmas a minha sede. Eu dou-te a droga que te inspira, tu dás-me a droga que
vicia. Então, vem. Escreve-me nesses poemas que as ruas consomem. Lê-me nesses
poemas que viciam as ruas. Poetiza-me nesses poemas que as ruas imortalizam.
Então, vem. Poetiza-me.
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